sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O Miojo Eleitoral: a Política como Mercadoria


Um dos bordões mais citado nas esdrúxulas campanhas eleitorais e cobertura jornalística pelos diferentes canais de mídia é a patética associação entre eleição para prefeito e síndico. Como se fosse farinhas políticas do mesmo saco de maldades, este tipo de análise esterilizada da política passa para o desatento "cidadão" que seu título de leitor serve para eleger o síndico de plantão. A TV Globo através do seu Jornal Nacional chegou até mesmo fazer uma série de reportagens buscando falsamente comparar as eleições para prefeito deste ano à de um síndico de algum prédio de meia-dúzia de condôminos. Aliás, mote excelente para os candidatos a rapinagem ou usurpação do erário público se metamorfosear em suas falácias eleitoreiras sem a menor preocupação da construção política que o cargo de prefeito deveria exigir de fato.


Outro fato que já vem sendo um lugar-comum é a mesmice pirotécnica do milionário marketing eleitoral. Não faz muita diferença comprar um sabão em pó ou votar num candidato à algum cargo público: a propaganda mercadológica é a mesma. Tudo é tão cretinamente clonado que parece difícil distinguir quem é esquerda ou direita no espectro político. Sim, não vamos cair nas lorotas neoliberais que o fim das fronteiras ideológicas acabou e agora tudo se passa por um "novo horizonte político"... As premissas ideológicas neoliberais são tão consistentes quanto o derretimento das bolsas de valores pelo mundo à fora com selo "Made in USA". Bobagens demagógicas à parte, o caso das eleições paulistas é emblemático.


Marta Suplicy e Gilberto Kassab travam um embate de números bem ao estilo das campanhas do "rouba-mas-faz" de Paulo Maluf: os macro-números das idílicas promessas. Ambos prometem uma quantidade infinitesimal de obras e serviços desconexos da realidade e numa competição em busca do Santo Graal do altruísmo paulistano. O confronto se acirra quando se é para ver quem “já fez mais por São Paulo”. Ótimo para o “síndico” Kassab e péssimo para o Partido dos Trabalhadores (PT) de Marta entrar neste estúpido jogo folclórico a la Maluf. Gilberto Kassab dos Democratas (DEMO), atual sigla do latifundiário partido de coronéis do antigo Partido da Frente Liberal (PFL) e extensão do braço político que apoiou o regime militar, é uma daquelas raposas políticas que adere a qualquer coisa para se manter no poder. Nestas eleições, Kassab se esforça para posar a todo o momento de Virgem Santa Imaculada, mas dissimula que trabalhou para Paulo Maluf e seu antigo boneco político, o desastroso ex-prefeito Celso Pitta. A votação do atual prefeito Kassab, além de usar a máquina pública para fazer sua propaganda pessoal, sua extensa votação conquistada no primeiro turno das eleições e nas favoráveis pesquisas eleitorais do segundo turno só esta sendo possível devido a sede incontrolável de poder do governador José Serra que além de sabotar a campanha do tucano Geraldo Alkimin de sua legenda partidária, apoiou Kassab ainda no primeiro turno. O governador, como sempre, bem ao estilo tucano, faz uma coisa de depois nega que fez ou vice-versa. Vale também lembrar que o arrogante e camicase conservadorismo típico da classe média paulistana é um peso considerável na desequilíbrio da balança.


Kassab, um desses parasitas de gabinete que destila o puxa-saquismo político para sobreviver e reproduzir assexuadamente. Ancorado na lascívia eleitoral de Serra, deu as costas para seu antigo padrinho político, Paulo Maluf, e caiu na plumagem dos tucanos. A eleição para prefeito de Serra, em 2004 (alguém se lembra?) foi apenas um trampolim para chegar ao governo do Estado e alavancar sua candidatura ao Palácio do Planalto em 2010. Unidos no plano nacional desde o primeiro governo de Fernando Henrique e amplamente aderente no governo de São Paulo desde Mário Covas, PSDB e Frente Liberal, vale lembrar que existiu até um mal-estar inicial na aliança paulistana entre tucanos e PFL na campanha de 2004 em torno no nome de Gilberto Kassab como vice-prefeito na chapa do então candidato José Serra. Porém, como tudo na política do toma-lá-dá-cá, as coisas se assentaram e nada que uma bela e farta distribuição de cargos e benesses não agradassem as famélicas partes descontentes. É mais do que interessante para Serra a vitória do seu atual boneco de ventrículo, Kassab, uma vez que o PSDB se manterá na unificação tucana do poder em São Paulo e pavimentando com mais vigor a estrada do imenso ego do governador para pousar em Brasília em 2010.


Já o PT de Marta com uma campanha recheada de efeitos mercadológicos e pirotécnicos contribuiu para a campanha do seu adversário. Pouco adiantou a ilustração do presidente Lula na campanha de Marta. Kassab, tal como um sabonete, é um produto do marketing político e ponto final. Quando o PT transforma sua candidata numa garota propaganda do Bom-Bril político das mil e uma utilidades, cai na vala-comum qualquer diferença entre a política necessária para uma cidade e os devaneios sensacionalistas desembrulhados nas cabeças dos marqueteiros de plantão.


Na democracia de representação do capital, o poder financeiro é fundamental para a eleição de seus candidatos. Os nomes não surgem apenas por acaso como brotam chuchu entre a cerca do quintal (sem fazer alusões ao apelido do enjeitado tucano, Geraldo Alkimin). Na esfera da política como mercadoria, praticamente não é interessante discutir as abissais construções da desigualdade que reina absoluta numa cidade como São Paulo. Entre um clique do fotógrafo e uma peça publicitária, é melhor pavimentar com uma fina casca de asfalto uma rua sem esgoto encanado, beijar uma criança desnutrida e pousar com largo sorriso para os holofotes da televisão do que realmente tocar nas atávicas estruturas socioeconômicas da crueldade urbana.


Nas eleições paulistanas, a mesmice estéril continua a germinar a todo vapor na votação do novo “síndico”. Chegam-se ao absurdo dos candidatos brigarem pela paternidade da mesma promessa eleitoreira. E na esteira do teatro dos absurdos, entre tantas de suas demagogias, o prefeito Kassab apareceu em público e depois virou jingle de campanha, a “promessa” que jura aos quatro ventos que a passagem de ônibus não irá subir em 2009! Todavia, oculta da população o quanto irá disponibilizar dos generosos subsídios para alimentar as quadrilhas organizadas que tomou conta do sistema de transporte público da cidade.


A política mais uma vez se torna vítima da sede insaciável pelo poder a qualquer custo e dá vazão para a construção mercadológica quando as necessidades públicas são produtos para consumo individualizado, imediato e descartável. Resta então ao eleitor desatento, colocar o miojo eleitoral na urna com cara de freezer, marcar quarto anos e apertar o botão. E procurar então ficar esperando bem acomodado na cadeira...