Se um viajante perdido proveniente do século passado folheasse os principais jornais dos últimos meses certamente entraria em parafuso! O admirável mundo novo do neoliberalismo se defronta com problemas até então fadados às especulações surrealistas ou boletins de jornalecos comunistas: crise alimentar, energética e escassez de água potável. É o fim dos tempos? A priori não, mas é um indício dos dramas atávicos que a humanidade se defrontará no século XXI.
Esqueça as bobagens terroristas alardeadas pelos fascistas de Washington. A crise é muito mais séria que os demagogos falcões de George Bush semeiam pelo mundo. Os islâmicos não comerão criancinhas no jantar. Não são os árabes os “inimigos do ocidente civilizado”. É a barbárie o maior vilão do mundo que se julga civilizado. A guerra entre a miséria e os que ainda podem comer suscitará uma disputa fratricida pela sobrevivência. Países como Brasil, Índia e China que despontaram no cenário internacional contribuem para impulsionar uma série de demandas alimentares e energéticas. As rotineiras crises nas economias do chamado Primeiras Mundo fragilizam cada vez mais a hipotética ordem mundial via “mercados livres”, ou seja, um dos principais alicerces dos mitos pueris embarcados na globalização neoliberal.
A presente crise mundial é de superprodução e não o contrário. A demanda energética aliada à especulação oportunista está fazendo o barril de petróleo avançar a um patamar jamais imaginado em sua história para além dos 130 dólares. A corrida por substitutos plausíveis para a demanda energética se canaliza particularmente no totem messiânico do etanol. Neste caso, o Brasil entra no pário de uma forma muito desarticulada e marqueteira. Se por um lado, a Petrobrás anuncia descobertas de seguidas fronteiras de possibilidades reais de prospecção de petróleo, por outro o país parece flertar com idéia de ser um celeiro mundial do etanol. A questão não é banal e tampouco trivial: produzir energia ou comida? A opção não poderá ser feita apenas para suprir a demanda energética mundial, mas a realidade mais íntima da base histórica de produção brasileira que é a agricultura para alimentação e não commodity energética. A União Européia está voltada a proibir o etanol proveniente de cereais em troca da ampliação da produção de alimentos em suas fronteiras. Não é apenas uma questão de investimentos e ganância especulativa, mas de mera sobrevivência alimentar.
Por mais inverossímeis as teorias catastróficas de Thomas Malthus do século XIX, a realidade da escassez alimentar bate a porta de muitas regiões do planeta. Países com grandes fragilidades econômicas, notadamente vastas regiões do continente africano, já estão passando por um novo ciclo de fome e fragilidade alimentar. A especulação acaba elevando o preço dos alimentos e contribuindo para uma alta generalizada de gêneros básicos na gangorra do “livre mercado”. A tendência crescente da demanda faz “naturalmente” os preços se elevarem até atingir um novo patamar de equilíbrio. Todavia, a mera aplicação das premissas de oferta e procura não são suficientes para a estabilidade do equilíbrio e, em momentos de crise mais aguda, a tendência é que os preços continuem a se elevarem sem uma contrapartida em curto prazo que faça recuar ou minimizar sua curva de alta. A especulação desmedida pelo lucro dificilmente está explicitada nos “manuais” dos cursos de Economia embebidos no mainstream dos Chicago boys.
A política de “agrocombustíveis” deverá ser revista com urgência. O Brasil tem um papel fundamental no tabuleiro global das matrizes energéticas. É preciso ficar claro também qual o papel que o país deseja desempenhar no planeta, ou seja, um celeiro agrícola alimentar ou um imenso canavial para entender os desejos energéticos estadunidenses e europeus? Entendo que a Petrobras deveria se condicionada para preservar o mercado interno de energia e somente vender o excedente caso realmente fosse necessário. Defender o onírico “livre mercado” em épocas de crises somente é válido para os adeptos de cabeças impregnadas pelo entulho ideológico colonizado voltado para os interesses dos velhos mercados imperialistas.
Energia e alimentos cada vez mais se constituirão em modos de produção de interesses nacionais. Aliás, as matrizes energéticas sempre se consistiram dentro do rol dos interesses estratégicos dos grandes Estados Nacionais e a região do Golfo Pérsico é o mais explosivo cartão-postal para quem ainda duvida desta teoria. Aliado as questões a respeito do mercado energético, se encontra a escassez de água potável que em grandes regiões do planeta é outra tétrica realidade. A “guerra pela água” preocupa até mesmo as Nações Unidas que estão paulatinamente se mobilizando para entender melhor as causas e as conseqüências desta batalha trágica pela existência. O Brasil novamente é outro pólo desta matriz enérgica uma vez que debaixo do seu solo se situa o megacampo de água potável, conhecido com Aqüífero Guarani, e que não vem obtendo o devido estudo e tratamento por parte do governo.
Quem é o “dono” da Amazônia? Pouco a pouco a imprensa estrangeira, em particular o estadunidense, New York Times, vêm questionando os direitos de propriedade do estado brasileiro e nações vizinhas da área amazônica. Estas especulações não são gratuitas e são respaldadas por interesses de Estados imperialistas. Quando se dizia que os estadunidenses estariam de vigilância pela Amazônia, em geral, no Brasil era visto como “história de comunas” ou desdém similares. Hoje a realidade é bem diferente. Até mesmo, o “bom-moço” ambientalista e ex-vice-presidente dos Estados Unidos, o democrata Al Gore, com sua aura “ongueira” já deixou claro que a Amazônia não pertence aos países que acomodam geograficamente suas fronteiras. O imperialismo não descansa, e também já se questiona a partição do Ártico e também a Antártida (fontes ainda não exploradas de energia no seu subsolo). Em nome evasivo dos “interesses do planeta”, vem aí o “eco-terrorismo”: dar o “verde” para quem pode controlar financeiro e militarmente a região, além de auferir maior poder de barganha mundial, ou seja, lotear a Amazônia para os interesses imperialistas.
O debate será cada vez mais acirrado assim como a guerra travada entre os que podem com mais eficiência ocupar e canabalizar os espaços de demanda energética e alimentar. Não podemos nos iludir apenas com a falácia que os “mercados auto-regulados” darão conta do “auto-ajuste” entre demandas e ofertas. Isto só acontece nos manuais de graduação dos cursos de Economia! O mundo não cabe dentro de um manual e tampouco a barbárie encontra limites na luta fratricida pela sobrevivência. Uma das questões que precisa ser enfrentada é a natureza dos processos de produção e consumo mundial. O esgotamento dos recursos naturais movido à uma desenfreada ganância por lucros fáceis e imediatos fazem colocar todo o desenvolvimento e progresso da humanidade em estado de choque. O modo de produção capitalista de consumo é na realidade o sistema de esgotamento sistemático que levará o planeta a exaustão.
Como todos sabem, os recursos são finitos na infinita ganância dos sistemas de produção de lucros sem fronteiras. Infelizmente, a guerra da barbárie entre a estupidez e a sobrevivência somente está começando. A mesma velha história nunca compreendida pelos homens: entre morrer e matar, ambos são realizados sem vencedores.