quinta-feira, 22 de abril de 2010

As Pétreas Heranças do Velho Muro


Entender o mundo após a queda física e simbólica do Muro de Berlim (1989) não é uma tarefa trivial. A derrocada do mundo socialista vem bem antes da queda do famigerado muro, porém a materialização de suas conseqüências poderá ser discutida referencialmente a partir da década de 1990.


O mundo ocidental e seus satélites de influência entraram numa onda neoconservadora baseada em duas premissas: o mercado liberal e a democracia (na sua vulgata essencialmente eleitoral). A subida ao poder de Ronald Reagan (1981-1989) nos Estados Unidos e Margareth Thatcher (1979-1990) na Inglaterra marcou a virada conservadora nos centros decisórios da política ocidental e nas economias capitalistas centrais. Substituindo algumas premissas keynesianas da reestruturação macroeconômica do pós-guerra, o estofamento ideário que norteou a economia foi o liberdade irrestrita do mercado cujos arautos pertenceram ao que convencionou chamar de “Escola de Chicago” tendo o economista estadunidense Milton Friedman (1912-2006) como o seu principal expoente. Logo, uma vez que a hegemonia capitalista aterrou o “fantasma do socialismo” (enfatizando a estirpe stalinista) seria possível surgir um “novo mundo” sem fronteiras (econômicas).


Na crista dos “novos tempos”, o filósofo estadunidense Francis Fukuyama sentenciou o “fim da História” como sendo a vitória do capitalismo sobre qualquer outro modo de produção e a democracia burguesa como o ápice da espécie humana. Todo este arcabouço foi escancarado e multiplicado pela Big Mídia internacional que acabou sendo batizada com o termo “globalização” (ou na versão que considero a mais realista defendida principalmente pelo francês François Chesnais, a “mundialização”). A ideologia neoliberal foi corrosiva de tal ponto que estremeceu com todas as estruturas que alicerçavam o mundo capitalista. A antiga ética do “trabalho” forjada pelo usufruto do trabalho foi sendo paulatinamente substituída pela ética do “consumo”. Neste sentido, todas as relações sociais são profundamente transformadas, desde questões cerceadas pelo mundo do trabalho até as questões relativas ao corpo e afetividade.


Palavras e expressões novas de vernizagem neoliberal rechearam o vocabulário do “politicamente correto”: “empreendedorismo”, “responsabilidade social”, “desenvolvimento sustentável”, “relação empresa-cliente”, “missão da empresa”. O imediatismo e rapidez que as transformações ocorrem são tão viscerais a tal ponto que o sociólogo Zygmunt Bauman denominou o momento atual como sendo a “modernidade líquida”. Do celular à TV a cabo, do “empreendedor” de si mesmo à terceirização do trabalhador (vide o exemplo dos operadores de telemarketing), dos sites de relacionamento digital às casas de suingue, o consumismo é a transformação da sociedade em uma horda de consumidores vorazes de indispensáveis futilidades. A necessidade por bens supérfluos transpôs as barreiras das classes mais abastadas e penetrou por toda classe média baixa, incluindo guetos e favelas. São crescentes as despesas das famílias por bens que não são prioridades existenciais. Logo, a vida sob a batuta do hiperconsumo se torna refém de um oceano de possibilidades mercadológicas. A retórica da liberdade se torna a angústia do consumismo. Com estes condicionantes, Giles Lipovetsky denomina nossa era como sendo a “hipermodernidade”.


A “cidadania” (utilizando velhos preceitos da burguesia pós-Revolução Francesa) cedeu espaço para o “clientismo”. Conceitualmente, somos “clientes” e não mais “cidadãos”. Hospitais privados e clínicas médicas tratam da saúde dos seus “clientes”, escolas e faculdades privadas lecionam para “clientes”, torcedores filiados a clubes de futebol são “clientes” dos clubes-empresas, marqueteiros profissionais produzem discursos para “políticos-clientes”. A política se tornou “desnecessária” e os Estados Nacionais vem sendo gradativamente sucumbindo às empresas transnacionais (corporações). A proliferação de ONGs é um exemplo da diluição da política e a terceirização das ações políticas. Tal como uma empresa de “empresa jurídica” qualquer, pode-se abrir ou fechar uma ONG da mesma forma que uma quitanda, mudar de ramo, valores ou objetivos. O curioso que a panspermia de ONGs é supostamente seria um movimento “apolítico da sociedade civil” (como se tal conjectura fosse possível!).


Comparada com o “crash” de 1929 que solapou a economia mundial da época, a crise financeira mundial de 2008, desencadeada a partir da bolha imobiliária nos Estados Unidos, foi outro exemplo do lastro da atualidade da mundialização do capital. Um grupo de empresas de crédito foi à falência no especulativo e mirabolante marcado imobiliário estadunidense e se espalhou pelas bolsas de valores do mundo inteiro. A agiotagem profissional em escola global não encontrou lastro para suas bilionárias operações e a “quebra” de muitos bancos foi inevitável (muitas deles com grande histórico de atuação no mercado). Como um castelo de cartas, um conjunto de empresas transnacionais colecionou prejuízos colossais e devido ao seu poder de influência fez que os governos de Estados-Nações das economias centrais e emergentes viessem a socorrê-las via erário dos contribuintes (leia-se “trabalhadores”). A “socialização das perdas” foi uma espécie de arremedo “keynesiano” no mercado financeiro mundial (ou seja, a ativa ação do Estado para estancar a sangria de dinheiro privado!). O curioso é que para salvar supostamente os empregos (os tais “postos de trabalho”) a maior parte dos sindicatos (praticamente em toda a sua totalidade), pressionou governos nacionais para auxiliarem na doação de recursos públicos para tais empresas transnacionais em dificuldades financeiras. Neste ínterim, esse é um bom recorte do que gradativamente ocorrem com os sindicatos de trabalhadores que perderam sua identidade e seu espaço dentro da correlação forças entre patrões e empregados.


É importante frisar a necessidade do retorno dos estudos da Psicologia e Psicanálise para o entendimento da sociedade em busca de uma visão transdisciplinar do conhecimento social. A diluição das relações pessoais, perda de identidade, a imagem como metáfora narcísea, a descentralização e esvaziamento da política e o estilhaçamento das relações de trabalho formam os alicerces deste arcabouço de um novo mundo multipolar (sem um poder central de decisão) que se tornou tão instável quanto o antigo “velho mundo” dos tempos da Guerra Fria. O “keynesianismo militar” jamais foi abandonado e, pelo contrário, de forma progressiva vem crescendo o rearmamento mundial das grandes potências e de “anãs bélicas” como é o caso da débil corrida armamentista na América do Sul (puxado pelo histrionismo da Venezuela de Hugo Chávez e Brasil do ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva). O novo ator central das relações internacionais e principal candidata a desbancar a hegemonia econômica estadunidense, a China, já vem se armando pesadamente para enfrentar “novos desafios” para a sua condição de potência mundial num mundo multipolar. Outros países emergentes como a Rússia (herdeira do arsenal atômico da antiga União Soviética) e Índia vem fazendo coro à premissa do crescimento econômico com “responsabilidade militar”.


A guerra ao terror é o mote mais usual para convencer os contribuintes a depositarem bilhões de dólares e euros em sofisticados programas das forças armadas contra supostos “inimigos invisíveis”. Quaisquer questionamentos à ordem vigente na democracia neoliberal poderão ser taxados impunemente de ato ou ação “terrorista” (uma destas medidas feitas pelo governo dos Estados Unidos após os atentados de 11 de setembro é o famigerado e xenófobo “Patriot Act”). Afeganistão, Iraque e Irã (o próximo alvo) são exemplos atuais da ação invasora da sanha carcomida imperialista guiada pelos Estados Unidos e apoiada pela União Européia em nome de uma política “antiterror” (atacar primeiro para não ser atacado). Salienta-se a curiosa observação da chanceler da Alemanha, Angela Merkel, a qual dizia que a saída das tropas alemãs de ocupação no Afeganistão seria uma “catástrofe” uma vez que significaria aquele país cair “no caos e na anarquia”. Como se algum chefe de Estado europeu ou estadunidense tivesse algum mínimo de preocupação como o povo afegão se não fosse os bilionários interesses geoestratégicos e econômicos na região!


Até mesmo a questão do uso de artefatos nucleares continua tão vivo quanto às tensões dos tempos áureos da pungente rivalidade ideológica russo-americana na Guerra Fria. Notadamente, ao contrário de uma possível “pacificação” de um novo mundo pós-muro livre das deletérias dicotomias ideológicas, a contradições entre liberdade humana e livre mercado continuam a se aprofundar criando um fosso entre um mundo possível e a realidade crua e disforme.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

REINAÇÕES DO FALO: Em busca da maximização do prazer e a mercantilização do Amor na Sociedade de Consumismo (1ª. Parte)


O Amor é uma mentira; para todos aqueles que acreditam que as demais coisas também sejam mentiras.



1. A inveja do falo.

Voltando de Araraquara à São Paulo, toca o celular de uma passageira situada no banco à minha frente. Com o ônibus relativamente vazio numa noite fria e nublada, ela começa a falar num tom moderado e depois exalta a voz. O que todos passageiros do ônibus puderam ouvir era uma típica briga de casais via telefonia móvel. O que era perfeitamente possível de entender era que o interlocutor, o namorado-parceiro (ou similar), estava comunicando à amante-namorada (ou similar) o desvelo do “grande mistério” que ele carregava na relação deles: e surgiu a fatídica “verdade” que o distinto cavalheiro era “casado”! Oh, Céus? Do desvelo em diante, percebeu-se o forte tom de reprovação e suposta insatisfação da passageira com seu parceiro. Como já previsto, começaram as típicas perguntas “quem era ela?”, “que idade tem?”, “como é o relacionamento entre vocês?”, “você ama a sua mulher?”.

Como quase todas as histórias similares a esta, o homem jamais fala a verdade ou, na melhor das hipóteses, procura camuflar à ausência da ética matrimonial com uma roupagem de “mistério” ou lacrimejar seu profundo sofrimento do “casamento em frangalhos”. No seu comportamento de ostentar seu falo na sociedade, é o coito a tarefa primordial do homem de estar sobressalente em seu nicho social. Como é possível intermediar um orgulhoso diálogo com os amigos, sem contar as diabruras daquela circense “trepada” com a colega do trabalho, amiga da namorada/esposa ou a vizinha do outro quarteirão em meio aos resultados dos jogos de futebol do final de semana (coisa para macho, claro!)?[1]

Retornando à passageira do ônibus. Com o passar da conversa, o tom de voz se apaziguava e açucarava da passageira passou da hostilidade da “mulher-traída” à complacência da “mulher-mãe” e começa a partir daí uma série de “aconselhamentos amorosos” para o infiel interlocutor. Ela, a passageira aturdida, optava inconscientemente a agregar à sua fala o tom conciliador de “mãe acolhedora e racionalista” numa atitude que visava preservar a auto-estima e sublimar as conseqüências da grande “sensibilidade” do seu parceiro. Após um longo tempo de conversa em tom que era impossível não deixar de ouvir e o ônibus ao adentrar à rodoviária paulistana da zona norte da cidade, ela desliga o celular, desce o veículo e parte erguendo com altivez sua cabeça e puxando sua bagagem de mão como se nada tivesse acontecido. Vale comentar sobre o título do livro que a passageira carregava em suas mãos: “O Príncipe” de Nicolau Maquiavel. Mais irônico impossível! Seria um estudo da ostentação do reino material sobre a ficção emotiva por parte da passageira? A questão a ser interpretada é tecer algumas interpretações de como seria possível analisar situações da instável relação prazer e amor na sociedade capitalista de consumismo tal como o caso dessa passageira em destaque.

Em “Totem e Tabu”, Sigmund Freud alertou: “Não é fácil perceber por que qualquer instinto humano profundo deva necessitar ser reforçado pela lei. Não há lei que ordene aos homens comer e beber ou os proíba de colocar as mãos no fogo[2]. Pelo empirismo do universo masculino, algumas certezas são passíveis de dedução. O distinto cavalheiro (outrora “patrono do coração da passageira do ônibus”) possivelmente já estava insatisfeito ou saciado do sexo com a distinta “amante” e buscava descartá-la de alguma maneira anunciando o “insustentável” segredo. Seria patente ao acrescentar que o inconsciente da passageira de alguma maneira já sabia da natureza do “mistério” do seu parceiro, todavia era importante manter as regras do jogo entre “surdos-e-mudos”. “Estar por cima, ou sair por cima” de condições existenciais é fundamental na efêmera construção do “ter e não ser”. Naturalmente, no ego narcíseo da mulher pós-moderna, é muito mais sustentável ter um parceiro que lhe garante algum “status” de auto-realização pelo ego, ou seja, “ele é um homem ‘misterioso’ e isto me atrai e excita”. Naturalmente, o instinto natural do homem é a projeção da ejaculação narcísea representa pelo seu falo. O que confere o caráter do “macho” é o sentido que possa exercer seu papel de ejaculador primaz dentro no seu nicho social. Ninguém estaria impune dos seus impulsos narcíseos do homem. A projeção do “homem” na sociedade de consumismo é o seu caráter de “conquistar” em tempos bravios o seu “lugar ao sol”. A imposição do macho é o modelo o qual cabe aos impulsos movidos à testículos de efetivar as vontades viscerais da emancipação do falo. Cabe então à mulher pós-moderna buscar uma alternativa existencial para que não seja destruído pela imposição do falo e assim desejar as mesmas pré-condições do homem. Neste caso, como veremos posteriormente, o “amor” é a tão temida desconstrução dos elementos narcíseos do sujeito.

Observando com um olhar mais pós-moderno da construção do imaginário afetivo da mulher do hiperconsumo, a “inveja do falo” é uma entidade abstrata de uma busca inalcançável da identidade do sujeito em igualar as mesmas conquistas narcíseas representada pelo falo do homem (em plenitude, forma e extensão). Se os movimentos feministas soerguidos na metade do século XX queimaram simbolicamente sutiãs em praças públicas visando dignidade e emancipação sobre as seculares atrocidades machistas, na hipermodernidade, a “inveja do falo” dita a esfera do consumo de uma insólita batalha agonística em busca de não sucumbir o Ego diante da falência da capacidade de autocontrole de suas própria existência. O ato de consumir dá um falso alento que é possível encontrar as rédeas do próprio caminho ou amenizar as insatisfações (caminhos para sublimar o desprazer). Na condução das relações objetais, ir às compras compulsivamente estaria no mesmo patamar da troca instável de parceiros sexuais ou supostamente afetivos.



2. Édipo e Electra: arcabouços freudianos.

Para adentrar ao caminho de desvelo das relações de instabilidade neurótica da personalidade humana, é pertinente conhecer dois conceitos psicanalíticos freudianos, aliás, um que é o desdobrar do outro: o Complexo de Édipo e o Complexo de Electra.


2.1 Complexo de Édipo.

O Complexo de Édipo[3], ou posição edípica, segundo Sigmund Freud é a etapa mais importante, no desenvolvimento da personalidade e, é nesta etapa que ocorre o temor a castração. O conceito de “castração” na Psicanálise é essencial para a construção e desenvolvimento do desejo e da personalidade do sujeito.

A psicanálise freudiana buscou conhecer todo o significado do simulacro referente à castração e suas singularidades afetivas, generalizando-a, para fazer dela o modelo das relações entre os filhos e seus pais. Dentre estas questões edípicas está sublinhada à fixação amorosa no progenitor do sexo oposto, agressividade hostil em relação ao do mesmo sexo, o qual é preciso destruir para atingir sua própria maturidade, dupla tendência que admite inumeráveis variantes. Segundo a análise da psicóloga Jacqueline Moreira:

Dessa forma, o Édipo não é somente o "complexo nuclear" das neuroses, mas também o ponto decisivo da sexualidade humana, ou melhor, do processo de produção da sexuação. Será a partir do Édipo que o sujeito irá estruturar e organizar o seu vir-a-ser, sobretudo em torno da diferenciação entre os sexos e de seu posicionamento frente à angústia de castração[4].

Na avaliação de Chevalier e Gheerbrant, a figura do Édipo simboliza a alma humana e seus conflitos, do ser humano capaz de loucura e de recuperação [5]. Para análise de Sigmund Freud:

A psicanálise revelou que o animal totêmico é, na realidade, um substituto do pai e isto entra em acordo com o fato contraditório de que, embora a morte do animal seja em regra proibida, sua matança, no entanto, é uma ocasião festiva (...) A atitude emocional ambivalente, que até hoje caracteriza o complexo-pai em nossos filhos e com tanta freqüência persiste na vida adulta, parece estender-se ao animal totêmico em sua capacidade de substituto do pai.[6]


2.2 O Complexo de Electra.

O complexo de Electra foi batizado a partir de um mito grego segundo o qual Electra, para vingar o pai, Agamêmnon, incita seu irmão Orestes a matar a mãe, Clitemnestra, e seu amante Egisto, que haviam assassinado Agamêmnon. Psicanaliticamente, a resolução deste período ocorreria da seguinte forma:
"a menina desistiria do pai original e, com a maturidade viria a possuir um substituto do pai (um homem) e, a sua ligação infantil com a mãe seria compensada, vindo ela a se tornar "mamãe" também, e desta maneira readquiriria as gratificações do relacionamento "mãe-filho". Uma ligação excessiva com o pai pode interferir na capacidade de transmitir sentimentos positivos a outras pessoas; pode vir a fazer com que ela assuma características masculinas (do pai) e assim ter tendências homossexuais.
O medo excessivo da figura paterna (isto em casos de pais que são distantes ou não trocam afeto com as filhas) pode prejudicar a capacidade em lidar com pessoas do sexo masculino.
Fica então evidenciado a existência do complexo de Édipo e o interesse da menina pelo pai.

Talvez seja interessante ressaltar que estudos prévios demonstraram que animais e humanos geralmente escolhem parceiros que se parecem com eles mesmos, tendência chamada de homogamia. Cientistas da Universidade de Pécs (Hungria) e da Universidade Estadual de Wayne (EUA) acreditam que a homogamia em humanos ocorre em parte por causa de 'impressões sexuais' [sexual imprinting] causadas pelo pai na menina durante a infância. Sob a olhar da psicanálise de tradição freudiana, o fenômeno poderia ser atribuído à atração que as mulheres sentiriam pelo pai -- o Complexo de Electra, contrapartida feminina do Complexo de Édipo. Os autores do estudo atual, no entanto, têm uma explicação diferente daquela proposta pelos seguidores de Freud. Os pesquisadores acreditam que a criança tende a criar um modelo mental do fenótipo do pai que é usado como parâmetro para a escolha de um parceiro. Segundo o psicólogo estadunidense Glenn E. Weisfeld, "Parece que, durante um momento crítico ou sensível da infância, um processo de 'impressão sexual' constrói um modelo do pai, que fica registrado no cérebro da menina. Algumas evidências sugerem que fatores olfativos e visuais podem estar envolvidos"[7].



3. O Amor como totem do imaginário de consumo e a impossibilidade do Amor.

Existe no imaginário feminino um culto inconsciente que se remete à figura singular e sedutora de Afrodite[8]. Potencialmente, cada mulher carrega consigo seu desejo de ser ornamentada e conquistada pela sua beleza física e suas potencialidades que crivam as zonas de erotismo velado ou não. A indústria da estética sabe muito bem como tirar proveito deste imaginário feminino e faturam bilhões de dólares anualmente com uma miríade de produtos para aflorar o “desejo” e inflar o mito da “perfeição estética” em cada uma de suas consumidoras. Na clássica obra, “A arte de amar”, Eric Fromm sustenta que:

“Numa cultura em que prevalece a orientação mercantil, e em que o sucesso material é o valor predominante, pouca razão há para surpresa no fato de seguirem as relações do amor humano os mesmos padrões de troca que governam os mercados de utilidade e trabalho”[9].

Para voltarmos à passageira do ônibus de descobriu que seu “ideal de amor” era comprometido maritalmente, é importante considerar novas condições a serem analisadas.

Em primeiro lugar, a mulher tende a amar o ideal simbólico do imaginário do “amor” e não o objeto a ser amado. Por isto, tal como qualquer bem material, a troca de parceiros não significa necessariamente a idéia de diluição do “amor”. Ninguém corará muito o rosto logo após que tocou o carro modelo antigo por um novo modelo mais versátil. O importante neste caso é a maximização do prazer que poderá ser representado sem avaliar com alguma sustentação as conseqüências e ilações em médio ou longo prazo do aparelho psíquico. Possivelmente, é neste âmbito de porosidade afetiva se situa o início das raízes do número cada vez mais crescente de casamentos estéreis na hipermodernidade, movidos à velocidade da mercantilização emotiva e durabilidade cada vez mais volátil.

Em segundo lugar, as relações objetais impregnam no inconsciente que o amor não está na relação afetiva mas na diluição na procura dos objetos. “Caso hoje e separo amanhã, e posso mudar tudo isto no dia seguinte”, são construções da busca frenética de reconstituição do falo ausente na mulher. O poder de decisão de buscar um caminho de auto-preservação e auto-suficiência são requisito básicos para poder reconstruir a idéia de autonomia de si e assim assegurar a condição de auto-determinação do “falo”.

Em terceiro lugar, a “vingança do pai” assumido na posição de Electra permite inconscientemente encarar o outro como um inimigo visceral a ser combativo, ou seja, a personalização do objeto de amor. E como seria possível atingir o pleno prazer quando as relações são egoístas e agonísticas? Para o controvertido e combatido, psicanalista Willhem Reich, a “função do orgasmo” estaria constituindo somente para a junção de pleno movimento de emancipação e liberdade. Seria a mulher (conceito extensível também ao homem) capaz de ter construir um movimento de total libertação?

Em quarto lugar, Amor e prazer sexual são esferas totalmente distintas e que podem (e devem) ser complementadas como um único todo. O temor da “entrega total” para o outro é o significado que tal ato pode acarretar para o sujeito. A preocupação narcísea é a sobrevivência do Ego. A angústia de não sucumbir o Ego perante o outro acarreta um resistência de “sobrevivência” na esfera sentimental. É preferível dentro de uma sociedade materialista de consumismo, ter relações estéreis, mercantis e pulverizadas e que não cause nenhum abalo na estrutura do aparelho psíquico. “Transar com este e com aquele, ontem, hoje e amanhã”, poderá dar uma falsa impressão de sustentabilidade e auto-afirmação do Ego e assim projetar o aparelho clitoriano como a afirmação do falo faminino. Todavia, esta construção da fantasiosa do imaginário feminino nunca escapará da eternidade do vazio existencial após cada gozo mercantil da sua agenda superlotada de excrescência da libido. Para o homem, o coito se torna uma necessidade de demonstração de sua identidade e virilidade no nicho social (em contrapartida, o fantasma da impotência seria o testamento da sua morte viril e psíquica). Já para a mulher, o gozo clitoriano ou vaginal é a necessidade de estar simplesmente viva e ainda carregar consigo o desejo de ser “mulher em plenitude”, ou seja, acreditar na “possibilidade de amar o Amor” acima de todas as coisas (mesmo que veladamente e nunca admita para o outro ou no casulo de sua esfera de influência social e afetiva).

No hiperconsumo atingir a plenitude do Amor é impossível, um mero mito. Uma vez quer para o amor é necessário um desapego da matéria (somente no ato da maternidade é possível ainda ser visto o desprendimento material coexistente na relação “mãe-filho”). E conforme já foi destacado, segundo Reich, somente uma fusão entre prazer sexual e amor seriam os fatores de libertação e emancipação do ser humano e o que potencializaria a ter uma cosmovisão superior às propaladas pelas relações objetais movidos pelas concepções materialistas. Logo, a construção da plena liberdade emancipatória de homens e mulheres com bases em premissas mercantilizadas é simplesmente impossível.

Notas:



[1] Numa reportagem de um noticiário de televisão sobre a dispersão da AIDS em trabalhadores de transporte de carga, um caminhoneiro ao responder uma pergunta feita pelo repórter se ele usava preservativos nos relacionamentos com prostitutas e se o mesmo distinguia relações preferenciais com mulheres ou transexuais, disparou: “Eu não uso nada e o importante mesmo é o buraquinho”, salientou alegremente o distinto cavalheiro. Claro, a sexualidade é coisa de “macho”, dono imperial do falo ejaculador!

[2] FREUD, S. (1974). Totem e tabu. (J. Salomão, Trad.). Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas (Vol. XIII, pp. 13-168). Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1913).

[3] Édipo é o herói lendário da tragédia grega, que se tornou o eixo principal da psicanálise moderna: o complexo de Édipo. Advertido por um oráculo de que, se tivesse um filho, este o mataria, Laio, o pai de Édipo, mandou perfurar os tornozelos de seu filho, quando este nasceu, e ligou-os com uma correia; daí este nome de inchado (Édipo). O servidor, que devia abandoná-lo para que morresse, entregou-o a estrangeiros, pastores ou reis, conforme as lendas. Eles tomaram conta da criança. Já adulto e indo ter a Delfos, Édipo, por causa da prioridade de passagem num desfiladeiro estreito, mata Laio, ignorando que este era seu pai. Cumpriria assim o oráculo, sem o saber. Na estrada de Tebas encontra a Esfinge, um monstro que devastava a região. Ele o mata, é aclamado rei e recebe como esposa Jocasta, a viúva de Laio, sua própria mãe. Mas em conseqüência de oráculos obscuros do adivinho Tirésias, Édipo descobre que assassinou seu pai e desposara sua mãe. Jocasta se mata; Édipo arranca os próprios olhos. [CHEVALIER, J., GHEERBRANT, A. Dicionário de Símbolos (mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números). 12. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.]

[4] MOREIRA, Jacqueline de Oliveira. Édipo em Freud: o movimento de uma teoria. Psicologia em Estudo. [online]. 2004, v. 9, n. 2, pp. 219-227. ISSN 1413-7372. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-73722004000200008 Acesso em 04 dez 2008.

[5] CHEVALIER, J., GHEERBRANT, A. Dicionário de Símbolos (mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números). 12. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.

[6] FREUD, S. (1974). op. cit.

[7] ALBUQUERQUE. “Tal sogro, tal genro: Estudo sugere que mulheres tendem a escolher maridos parecidos com os pais”. Ciência Hoje On-line, 11 mai 2004. Disponível em: http://cienciahoje.uol.com.br/controlPanel/materia/view/1812 Acesso em: 03 dez 2008.

[8] Para a mitologia grega, Afrodite (Vênus) é a deusa da mais sedutora beleza, cujo culto, de origem asiática, é celebrado em numerosos santuários da Grécia, principalmente na ilha de Citera. Filha do sêmen de Urano (o Céu) derramado no mar, após a castração do Céu por seu filho Cronos (daí a lenda do nascimento de Afrodite, que surge da espuma do mar); esposa de Hefestos, o Coxo, por ela ridicularizado em várias ocasiões.

[9] FROMM, Eric. A arte de amar. Belo Horizonte: Itatiaia, 1966, pág. 21.


terça-feira, 25 de novembro de 2008

A VELOCIDADE PARA O VAZIO: Brevíssimo Ensaio sobre o Desvelo da “Sociedade do Consumismo”


NOTA AO LEITOR:
Este é um texto de divulgação preliminar e especialmente formato para os leitores deste BLOG a partir de trabalho submetido e aprovado para o “X Congresso Luso-Afro-Brasileiro” e deverá ser apresentado em Portugal (Braga, 2009). Artigo constituinte da série de trabalhos que buscarei tratar do estudo e reflexão a respeito da “sociedade do consumismo” como elementos de projeto de pesquisa.


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“Quando se patina sobre o gelo fino, a segurança está em nossa velocidade.”
(Ralph W. Emerson)



1. Prólogo.


Osasco, região da grande São Paulo, quinta-feira, 20 de novembro. Entro numa livraria de um shopping-center local, e em meio à diversidade de livros de auto-ajuda acabei me deparando um título inusitado “Selma”[1]. Segundo a publicidade anexa à pilha de livros, foram vendidos mais de 400 mil exemplares do título que foi traduzido para dez diferentes idiomas -– um best-sellers! E para minimizar minha ignorância: quem ou o quê era Selma? A capa do livro já denunciava, mas apelando para meu “ateísmo-cristão” e invocando à incredulidade de São Tomé, não custava folhear a “obra-prima”. Enfim, ler para crer: Selma era uma simpática ovelha que dava aconselhamento emocional à cada página folheada no melhor estilo de “receita de bolo” para que seu angustiado leitor possa alcançar mais rapidamente a tal “felicidade”! As “lições” da simpática “ovelhinha do Bem” se somam à uma miríade de títulos que promete em doses homeopáticas o que todos anseiam vorazmente, ou seja, a materialização do impossível gozo total na tradução “mágica” da palavra “felicidade”[2].



2. Elementos para uma Sociologia do Consumo: “Amo tudo isso”?

A sociedade de consumo massificado, a priori, utilizando-se o termo “sociedade do consumismo” (que também poderá ser entendida como uma extensão da “sociedade de hiperconsumo” na acepção de Gilles Lipovetsky[3]), é a busca insaciável e imediata pela idéia da possibilidade de encontrar a “felicidade”, seja ela qual for seu formato, significado ou essência. Com o aperfeiçoamento das estruturas capitalistas, o consumo de mercadorias vai além de sua mera aquisição de suporte à existência e a sobrevivência humana. No mundo ocidentalizado e globalizado pela complexidade de eventos e informações, trouxe o advento da hipermodernidade, marcada por dois pilares fundamentais: o mercado liberal e a democracia.

O hiperconsumo vai além das necessidades básicas e transforma mercadorias em mecanismos de prazer individualista e egocêntrico. A mistificação e o caráter fetichista fazem com que as mercadorias assumam significados que ultrapassam as suas bordas de meros objetos inanimados e adquirem vida autônoma no lastro da sociedade de consumo. Nunca na história das sociedades ocidentais foi possível produzir velozmente uma miríade de bens materiais possibilitando a conquista de um elevado padrão de bem-estar. No entanto, com o hiperconsumo, tudo se configura em mercadorias consumíveis, onde não existem limites na busca frenética para a saciedade.



3. Consumo, logo existo.

A sociedade do consumismo é aquela onde são emersas todas as promessas que possam ser atraentes e cativantes e, por sua vez, nunca realizadas ou saciadas pelos seus consumidores. Para tal intento, é necessária uma construção simbólica e afetiva que liga a mercadoria ao seu consumidor potencial. A reificação da mercadoria é uma característica da moderna sociedade capitalista e no hiperconsumo existe uma correção também afetiva que não poderá ser descartada. A aquisição de um aparelho de telefonia móvel, por exemplo, não serve apenas para realizar uma simples comunicação entre os indivíduos, mas algo que se torna um objeto com “vida autônoma”. Uma miríade de acessórios é criada para adornar o aparelho celular, incluso aí “vestimentas” e diversos adereços que dão “vida” ao objeto inanimado. Aqui, insisto na questão de um amplo dimensionamento da afetividade impregnada na hipermodernidade onde as relações entre objetos e indivíduos estão no mesmo patamar de interações possíveis repercutindo em todas as esferas de consumo.

A vida cotidiana numa sociedade onde consumo desenfreado é imperativo se constituiu em relações objetais. O vazio intrínseco dos relacionamentos afetivos é tão profundo que o ato do casamento, antes de tudo, se tornou muito mais um grande lucrativo negócio para a “indústria do matrimônio”. A liquidez efêmera dos laços afetivos possui a mesma dimensão imediatista para saciar o desejo, tal como a aquisição de qualquer mercadoria na prateleira de supermercado. A “indústria cultural”, termo trabalhado inicialmente por Theodor Adorno e Max Hokheimer era uma crítica a sociedade do consumo de massa (transformação da cultura em mercadoria[4]) e, pela égide antropofágica do capital, tudo parece ter sua própria “indústria” para atender a demanda consumista: das curas milagreiras de pastores neopentecostais ao circuito velado do sexo explícito.



4. Consumir, gozar e descartar.

Coisas e pessoas estão no mesmo nível de possibilidades de consumo, ou seja, os laços mercantis se aprofundam na dimensão da relação íntima do consumidor com o seu objeto desejado. Adquirir um modelo mais atualizado de carro, um novo parceiro sexual ou talvez o mais novo modelo de iPod? O que poderá trazer maior satisfação imediata para o consumidor na angústia de ser “feliz” visando preencher o vazio suscitado pelo aparelho psíquico inerente do hiperconsumo? Transcrevendo uma das assertivas de Zygmunt Bauman, “para que as expectativas se mantenham vivas e novas esperanças preencham o vazio deixado por aquelas já desacreditadas e descartadas, o caminho da loja à lata de lixo deve ser curto e a passagem, rápida”[5].

Um retrato pertinente são as campanhas publicitárias do totem de consumo-mor das sociedades ocidentalizadas: o automóvel. Nas peças publicitárias, a idéia impregnada não é “vender” meramente uma mercadoria, mas construir a simbologia do objeto, ou seja, uma verdadeira “adoração” pela mercadoria por meio da hipertrofia de um fetichismo erotizado e sedutor. Mulheres belas e “fatais”, velocidade, classe, estilo e paisagens surreais mapeiam o cenário idílico e viril da propaganda televisiva: será que você é digno de possuir tal mercadoria? -- diz implícito (ou explicitamente) o mote da propaganda. Neste campo de patente reificação, não é o consumidor que escolhe a mercadoria, mas é justamente o contrário: a mercadoria que “escolhe” seu potencial consumidor e em troca é a “conquista” da satisfação plena e gozo total[6].



5. Necessidades coletivas, ações atomizadas.

A política é sucumbida pela via do mercado e a liderança da autoridade é apenas uma commodity desta liberdade de suposta emancipação e conduzindo à uma desterritorização do espaço público. A democracia liberal se estabelece meramente por via de processos eleitorais e tampouco se trata de uma democracia de acesso aos meios de produção. A mobilidade social é mais uma ilusão que se acrescenta no ideário do liberalismo da democracia política. Tais como a proliferação dos shopping-centers, os espaços privados de consumo substituem os espaços públicos livres da opressão consumista. A autonomia é arregimentada pelas “forças do mercado” e moldada pela tirania das marcas esvaziando-se os sentidos e significados do coletivo em prol da saciedade nunca satisfeita do indivíduo.

O “espaço político” é um entreposto possível entre a política desejada e os interesses de fomentadores financeiros das campanhas políticas (patrocinado por grandes corporações econômicas). Uma campanha política “vitoriosa” se tornou em sua essência um show midiático com as mesmas concepções que se vende um novo lançamento automotivo da corporação automobilística ou uma caixa de sabão em pó “de marca”. Carros, políticos e sabonetes estão disponíveis no mercado para o usufruto do seu consumidor com quase todas as premissas derivadas de uma boa campanha de marketing. Poderia a política coibir as práticas coercitivas do consumo midiático uma vez que seus atores políticos são financiados pelas grandes corporações?

Dentro do rol programático entre partidos da direita e da esquerda do espectro político, transformam a idéia de espaço público numa alegoria em desuso. A privatização da política destina em entregar ações coletivas nas mãos dos indivíduos em decisões atomizadas. Na diluição dos partidos políticos, cabe a agremiações privadas, tais como as organizações não-governamentais (ONGs), trabalharem com a “coisa pública” de acordo com as diretrizes dos seus sócios. Seguindo à lógica de privatização do espaço público, a idéia vaticinada pelos pedágios em estradas e vias de acesso é uma clara demonstração que somente é possível construir uma sociedade com ações atomizadas. Logo, cabe então ao cidadão-consumidor arregaçar as mangas e resolver por si mesmo todas as ações que deveriam ser necessariamente construídas coletivamente. Na sociedade dos indivíduos à única política possível é aquela que satisfaz as urgentes necessidades de consumo individualizado e narcíseo. Assim ressalta Michel Maffesoli: “É importante levar a sério o descaso para com os diversos ativismos que marcaram a modernidade (política, produtiva): aquilo que não depende de nós torna-se indiferente”[7].



6. Das inconveniências da cidadania à cultura narcísea da sociedade dos indivíduos.

Um lançamento local de uma mercadoria será um evento mundial se sua produção estiver de uma forma conectada à alguma empresa capaz de transacionar seus interesses globalmente. Nessa esfera de “satisfação”, todas as mercadorias prometem a satisfação plena, sedutora e imediata do seu consumidor. Estampada em capas de revistas ou na televisão, as “tecnologias da saúde” estão acessíveis ao mercado consumidor com suas fórmulas que prometem aos seus usuários todos os sortilégios inerentes à felicidade, perfazendo desde as promessas da hercúlea virilidade movida à Viagra à amenização do desprazer na composição do Prozac. Por sua vez, a indústria farmacêutica desprende percentual significativo do total de seus de investimentos no uso sistemático da máquina de construção de marketing de seus produtos para o mercado. Os medicamentos deixam de ser condicionantes para a recuperação e profilaxia de moléstias e enfermidades para se tornar também alvo de objetos de consumo sem prescrição médica [8].

Quem não consome ou não tem condições de consumir é um pária deste sistema [9]. O capitalismo supera os demais sistemas ideológicos-socioeconômicos quando mantêm em suas bases fundamentais premissas que nenhum outro sistema promete ou consegue se sustentar: a possibilidade de satisfação material e sensorial dimensionada na saciedade do gozo total. O consumidor nunca está satisfeito com o gozo parcial e possível, e logo deseja atingir sempre a maximização de sua satisfação e assim alcançar o que ele acredita ser a “felicidade” tão ansiada. Segundo a análise de Maffesoli, “o gozo não mais é remetido a hipotéticos e 'róseos amanhãs', e sim vivido, seja lá como for, no presente”[10].

As relações objetais11 são constituídas na esfera da mercadoria e adquire alguma consistência afetiva na medida em que seja possível encontrar os mecanismos sensoriais do gozo total na psicopatologia da sociedade de consumismo. Num sistema onde o culto à aparência contribui na mediação entre seus indivíduos, a segurança é vital para diminuir a insegura angústia e fragilidade do indivíduo. “Estar à frente da tendência de estilo”, como ressalta Bauman[12], significa uma tentativa de encontrar a si mesmo (ou seja, o indivíduo-consumidor) num mundo onde suas relações materiais e imateriais são mercantis, líquidas, efêmeras e passageiras.

Na hipermodernidade a cultura do “corpo perfeito” é o objeto de desejo, ostentação e auto-identidade ansiado a qualquer custo dentro e fora das academias de modelagem estética. Dentro das estruturas psicopatológicas desse processo, dois fenômenos distintos na forma, mas unívocos em sua dimensão referentes aos estilos de vida do hiperconsumo: a obesidade e a anorexia. Sedentarismo, compulsão alimentar, vaidade, angústia e vergonha são elementos intrínsecos de um modelo de vida onde a forma sobrepõe o conteúdo. No caso da obesidade, típico das sociedades modernas de consumo, são os excessos alimentares aliada ao sedentarismo que dão vazão à inseguraça e angústia do vazio. No caso da anorexia (também conhecida como “anorexia nervosa”) ocorre mais comumente em mulheres jovens e, em linhas gerais, como descreve Anthony Giddens, “(...) pode ser entendida como uma patologia do autocontrole reflexivo, operando em torno de um eixo de auto-identidade e aparência corporal, em que a vergonha desempenha papel preponderante”[13].

A erosão da identidade permite que o indivíduo somente passe a sobreviver no limite imerso num mundo de liquidez de valores e a transformação do próprio corpo como elementos atávicos de sua construção da auto-identidade. Desta maneira, o “corpo perfeito” é ditado pelo consumo, ou o que os “outros” (ou seja, as “as concepções estéticas do mercado”) ditarem como “modelos padronizados” a serem cultuados e mimetizados. Para trilhar estes caminhos, são importantes os estudos de Michel Maffesoli a respeito do estudo das “tribos” e o processo de construção da identidade da sociedade dos indivíduos dentro do hiperconsumo. Ainda é fecundo analisar também que tais indivíduos anseiam se desvencilhar da “multidão” na medida em que se inserem em “tribos” que coadunam com seus ideais de consumo e estilo de vida (processo que pode ser identificado pela “individualização” pelo coletivo). Para isto procuram até mesmo mutilar seu próprio corpo mais bem caracterizado pela ostentação de adornos de metal e similares, os chamados piercings, além da dispersão de tatuagens que marcam o corpo de forma à chamarem atenção para si [14].



7. Epílogo: O insaciável moto-contínuo.

Na sociedade de consumismo o indivíduo existe na medida em que consome para além de suas necessidades e fazendo parte da cadeia de replicação do eixo produção-consumo-insaciedade. Todavia, a possibilidade de chegar a mecanismos de satisfação pessoal nunca se concretiza e os indivíduos convertem um possível advento da felicidade em ansiedade e angústia. As construções da hipermodernidade trazem conseqüências deletérias para a constituição da sociedade e permite o aprofundamento do fosso social que gera e amplifica a barbárie.


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Notas:

[1] BAUER, Jutta. Selma. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
[2] Numa rápida busca no site da Livraria Cultura, uma grande empresa paulista especializada no ramo, foi encontrado 239 títulos com a palavra “felicidade” estampada na capa.
[3] LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
[4] ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max. A dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985.
[5] BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,2007, p. 108.
[6] A análise do automóvel como um dos principais elementos de reificação na sociedade consumista merece uma atenção pormenorizada à parte pelas dimensões psicanalíticas que envolve seu estudo e que escapa do objetivo do presente trabalho.
[7] MAFFESOLI, Michel. Notas sobre a pós-modernidade: o lugar faz o elo. Rio de Janeiro: Atlântica, 2004, p. 45.
[8] Não é de causar estranheza que a maioria das farmácias disponíveis numa cidade como São Paulo são verdadeiros shopping-centers onde é possível encontrar uma miríade de produtos, inclusive medicamentos!
[9] O capitalismo globalizado é movido à disponibilidade de crédito no oceano da volatilidade especulativa financeira. Praticamente é possível dizer que toda crise dentro do capitalismo é movida à superacumulação, superprodução, colapso de liquidez recaindo na pulverização da “confiança” dos mercados. A primeira grande crise do capitalismo estadunidenses do século XXI (a quebra de Wall Street, 2008) teve como prenúncio com a falência creditícia do setor imobiliário. Quando as artérias da bolha de consumo via crédito muito facilitado e se encontraram interrompidos, estará em risco os próprios alicerces moldais das roldanas do sistema capitalista. Não consumir significa estagnar o estoque de produção e assim causar um desequilibro no instável castelo de cartas onde se apóia todos os atores e “players” globais do modelo. Diante do colapso econômico estadunidense e com a retomada do “keynesianismo civil”, a utilização das reservas do tesouro dos Estados Unidos para injetar no setor privado em torno de 5,6 trilhões de dólares (previsão a ser alcançada até o limiar de 2009) . Deste montante, uma parte é para salvar da falência empresas que quebraram no cassino financeiro global (ou seja, a socialização das perdas privadas movida à dinheiro público do contribuinte -- o capitalismo sem riscos!) e o restante é para reaquecer o mercado de crédito e recuperar a “confiança” dentro do mercado de consumo estadunidense.
[10] MAFFESOLI, Michel, ibid., p. 29.
[11] No esforço de aproximação da Psicanálise para o presente estudo, compreendo que não se concebe o objeto separado da qualidade do relacionamento com o sujeito.
[12] BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação de pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008
[13] GIDDENS, Anthony. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.
[14] Aqui está presente um tom de desespero do self em busca de identidade e identificação pelo “outro” e a insegurança de não sucumbir ao vazio.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A América Racista: Intolerância, Preconceito e Ódio nos Subterrâneos dos Estados Unidos


Barack Obama consolidou sua vitória nas eleições presidenciais dos Estados Unidos construindo um poderoso leque de alianças com diversos setores da sociedade estadunidense, incluindo neste nicho os setores financeiros mais poderosos e apoios de grupos multirraciais. De um quase desconhecido senador democrata do estado de Illinois em 2004 para o homem no cargo mais poderoso do planeta, o “fenômeno” Obama não apenas angariou amplo apoio em torno do seu nome, mas também poderá suscitar os intranqüilos fantasmas xenófobos dos escombros de uma sociedade que busca impor fora do seu território um modelo imperialista com a cosmopolita bandeira da democracia (claro, nos moldes da política estabelecida por Washington).

O fato de ser o primeiro presidente negro da história estadunidense não apenas se tornou motivo de grande esperança e entusiamo para comunidade afrodescendente daquele país, mas sobretudo passou a vingar um sentimento de insegurança e preocupação para o serviço secreto dos Estados Unidos. Após o rescaldo da euforia eleitoral proveniente da Onda Obama, certamente um dos grandes desafios do futuro presidente estadunidense é garantir o cumprimento do seu mandato ileso, se esquivando fisicamente do ódio racial de grupos fascistas que ainda lutam pela “supremacia branca” dentro do interior dos Estados Unidos. Certamente, se manter vivo nos próximos anos não será uma tarefa muito fácil para o presidente Obama e seus seguranças. Desta vez, o "grande mal" não serão os propalados “terroristas” de Osama Bin Laden ou grupos extremistas muçulmanos espalhados pelo Oriente Médio e Ásia que salvaram do ostracismo a administração do primeiro mandato de George W. Bush e mobilizou o império para sua babilônica “cruzada contra o terror”. Ao ganhar a inédita corrida à Casa Branca, Obama correrá o risco de dormir com o inimigo e não acordar mais de seus sonhos.

Segundo matéria do diário carioca, Jornal do Brasil, a ONG estadunidense Southern Poverty Law Center (SPLCenter), com sede no estado do Alabama, mapeou 762 grupos racistas nos Estados Unidos, ligados a seis organizações diferentes. Desse total, 161 são agrupados na categoria ''outros'', que não têm uma linha específica de ação. Destaque para as três principais organizações que pregam a xenofobia explícita dentro dos Estados Unidos: a histórica Ku Klux Klan, os neo-nazistas que são os resquícios da ideologia do nazismo alemão e um nicho de afrodescendente de intolerância reunidos nos Separatistas Negros.

A Ku Klux Klan, a mais antiga das organizações racistas que apregoam o catecismo da “supermacia branca” dentro do território estadunidense, tem 162 grupos associados e surgiu no fim da guerra Civil, em 1865, quando perseguia os negros no Sul do país. Ao longo dos anos, estendeu seu ódio aos judeus, homossexuais e, mais recentemente, aos católicos. Há oito décadas, os números da Ku Klux Klan impressionavam: cerca de 5 milhões de integrantes. A matéria do Jornal do Brasil ainda ressalta que o SPLCenter admite que o número atual é estimado em 7 mil integrantes e poderá ser maior, uma vez que hoje em dia muitos dos filiados preferem manter sua identidade em segredo.

A segunda maior organização xenófaba são os neo-nazistas, com inspiração nas pregações de Adolf Hitler que comandou a política do nacional-socialismo (nazismo) na Alemanha (1933-1945). A facção estadunidense neo-nazista concentra seu ódio nos judeus, mas também perseguem gays e cristãos. Têm 158 grupos cadastrados. Também atacam os judeus 28 grupos ligados à Identidade Cristã, de brancos. Pouco antes da vitoriosa eleição de Obama, a inteligência secreta dos Estados Unidos prendeu dois jovens neo-nazistas em solo estadunidense acusados de armarem um suposto plano para assassinar o então candidato democrata.

Os Separatistas Negros representam os valores xenófobos da “supremacia negra” estadunidense e têm 108 grupos cadastrados e são a terceira maior organização racista do país. Tal grupo se opõe à integração das diferentes raças chegando até mesmo a pregar a criação de uma nação negra. E, embora formada por integrantes de uma das minorias atacadas pelos segregacionistas brancos, é considerada pelo SPLCenter tão racista quanto as outras organizações. O paradoxo pode ser preocupante se o ódio extrapolado de um grupo que exalta uma “supremacia negra” arquitetar contra a vida de um representante afrodescendente, uma vez que é possível que seus membros possam se sentirem “traídos” ao longo da administração de um presidente negro.

Segundo a Agência AFP, o site do Ku Klux Klan, advertiu nesta semana para as conseqüências de uma administração Obama. "Muitos brancos deste país vão despertar", com a eleição de Obama, afirmou um intitulado Thomas Robb. Ainda seguindo a matéria da Agência AFP, em carta ao serviço secreto estadunidense, Bernnie Thompson, um membro do Congresso negro de Mississippi, escreveu "Como afro-americano que foi testemunha de alguns dos dias mais vergonhosos da história deste país durante a luta do movimento pelos direitos cívicos, sei que o ódio de alguns dos nossos concidadãos pode levar a horríveis atos de violência".

Não apenas grupos racistas que se declaram abertamente ou franco-atiradores de típicos assassinatos em massa dentro das escolas estadunidenses se constituem num real perigo para o presidente Obama. É importante destacar que grandes interesses de grupos políticos e econômicos são os maiores assassinos de líderes ao longo da história da humanidade. Para o mesquinhos interesses das “corporações”, as grandes empresas do capitalismo mundial, nada e absolutamente nada parece está acima dos seus lucros bilionários. Como bem ressaltou matéria da Agência AFP: “A cor do novo presidente é apenas uma das fontes de preocupação suplementares, em um país que tem 200 milhões de armas de fogo responsáveis por 30.000 mortes por ano, onde quatro presidentes foram assassinados no exercício de suas funções e onde vários outros foram alvos de tentativas de assassinato.”

Os assassinatos de ativistas e líderes negros é tão enraizados na cultura de grupos xenófobos estadunidenses que as preocupações com a segurança de Obama serão cada vez maiores. Naturalmente, qualquer um no cargo de chefe-mor da Casa Branca que tem a envergadura de poder acionar o maior arsenal bélico do mundo e destruir a Terra por completo, independentemente de qualquer situação fora da "normalidade" já causaria grande celeuma na equipe de segurança pessoal. Adicionando a cor da pele, a tarefa para o serviço secreto de proteção ao presidente irá se multiplicar. Martin Luther King e Malcom X, dois dos principais nomes do ativismo negro estadunidense assassinados na década de 1960 pelo ódio racial são trágicos exemplos que a barbárie é tão resistente quanto o desejo de liberdade e emancipação humana.


Para ler mais

AGÊNCIA AFP. Um dos próximos desafios de Obama será sua própria segurança. 6 Nov 2008. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/ultnot/afp/2008/11/06/ult34u213872.jhtm. Acesso em 6 Nov 2008.


sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O Miojo Eleitoral: a Política como Mercadoria


Um dos bordões mais citado nas esdrúxulas campanhas eleitorais e cobertura jornalística pelos diferentes canais de mídia é a patética associação entre eleição para prefeito e síndico. Como se fosse farinhas políticas do mesmo saco de maldades, este tipo de análise esterilizada da política passa para o desatento "cidadão" que seu título de leitor serve para eleger o síndico de plantão. A TV Globo através do seu Jornal Nacional chegou até mesmo fazer uma série de reportagens buscando falsamente comparar as eleições para prefeito deste ano à de um síndico de algum prédio de meia-dúzia de condôminos. Aliás, mote excelente para os candidatos a rapinagem ou usurpação do erário público se metamorfosear em suas falácias eleitoreiras sem a menor preocupação da construção política que o cargo de prefeito deveria exigir de fato.


Outro fato que já vem sendo um lugar-comum é a mesmice pirotécnica do milionário marketing eleitoral. Não faz muita diferença comprar um sabão em pó ou votar num candidato à algum cargo público: a propaganda mercadológica é a mesma. Tudo é tão cretinamente clonado que parece difícil distinguir quem é esquerda ou direita no espectro político. Sim, não vamos cair nas lorotas neoliberais que o fim das fronteiras ideológicas acabou e agora tudo se passa por um "novo horizonte político"... As premissas ideológicas neoliberais são tão consistentes quanto o derretimento das bolsas de valores pelo mundo à fora com selo "Made in USA". Bobagens demagógicas à parte, o caso das eleições paulistas é emblemático.


Marta Suplicy e Gilberto Kassab travam um embate de números bem ao estilo das campanhas do "rouba-mas-faz" de Paulo Maluf: os macro-números das idílicas promessas. Ambos prometem uma quantidade infinitesimal de obras e serviços desconexos da realidade e numa competição em busca do Santo Graal do altruísmo paulistano. O confronto se acirra quando se é para ver quem “já fez mais por São Paulo”. Ótimo para o “síndico” Kassab e péssimo para o Partido dos Trabalhadores (PT) de Marta entrar neste estúpido jogo folclórico a la Maluf. Gilberto Kassab dos Democratas (DEMO), atual sigla do latifundiário partido de coronéis do antigo Partido da Frente Liberal (PFL) e extensão do braço político que apoiou o regime militar, é uma daquelas raposas políticas que adere a qualquer coisa para se manter no poder. Nestas eleições, Kassab se esforça para posar a todo o momento de Virgem Santa Imaculada, mas dissimula que trabalhou para Paulo Maluf e seu antigo boneco político, o desastroso ex-prefeito Celso Pitta. A votação do atual prefeito Kassab, além de usar a máquina pública para fazer sua propaganda pessoal, sua extensa votação conquistada no primeiro turno das eleições e nas favoráveis pesquisas eleitorais do segundo turno só esta sendo possível devido a sede incontrolável de poder do governador José Serra que além de sabotar a campanha do tucano Geraldo Alkimin de sua legenda partidária, apoiou Kassab ainda no primeiro turno. O governador, como sempre, bem ao estilo tucano, faz uma coisa de depois nega que fez ou vice-versa. Vale também lembrar que o arrogante e camicase conservadorismo típico da classe média paulistana é um peso considerável na desequilíbrio da balança.


Kassab, um desses parasitas de gabinete que destila o puxa-saquismo político para sobreviver e reproduzir assexuadamente. Ancorado na lascívia eleitoral de Serra, deu as costas para seu antigo padrinho político, Paulo Maluf, e caiu na plumagem dos tucanos. A eleição para prefeito de Serra, em 2004 (alguém se lembra?) foi apenas um trampolim para chegar ao governo do Estado e alavancar sua candidatura ao Palácio do Planalto em 2010. Unidos no plano nacional desde o primeiro governo de Fernando Henrique e amplamente aderente no governo de São Paulo desde Mário Covas, PSDB e Frente Liberal, vale lembrar que existiu até um mal-estar inicial na aliança paulistana entre tucanos e PFL na campanha de 2004 em torno no nome de Gilberto Kassab como vice-prefeito na chapa do então candidato José Serra. Porém, como tudo na política do toma-lá-dá-cá, as coisas se assentaram e nada que uma bela e farta distribuição de cargos e benesses não agradassem as famélicas partes descontentes. É mais do que interessante para Serra a vitória do seu atual boneco de ventrículo, Kassab, uma vez que o PSDB se manterá na unificação tucana do poder em São Paulo e pavimentando com mais vigor a estrada do imenso ego do governador para pousar em Brasília em 2010.


Já o PT de Marta com uma campanha recheada de efeitos mercadológicos e pirotécnicos contribuiu para a campanha do seu adversário. Pouco adiantou a ilustração do presidente Lula na campanha de Marta. Kassab, tal como um sabonete, é um produto do marketing político e ponto final. Quando o PT transforma sua candidata numa garota propaganda do Bom-Bril político das mil e uma utilidades, cai na vala-comum qualquer diferença entre a política necessária para uma cidade e os devaneios sensacionalistas desembrulhados nas cabeças dos marqueteiros de plantão.


Na democracia de representação do capital, o poder financeiro é fundamental para a eleição de seus candidatos. Os nomes não surgem apenas por acaso como brotam chuchu entre a cerca do quintal (sem fazer alusões ao apelido do enjeitado tucano, Geraldo Alkimin). Na esfera da política como mercadoria, praticamente não é interessante discutir as abissais construções da desigualdade que reina absoluta numa cidade como São Paulo. Entre um clique do fotógrafo e uma peça publicitária, é melhor pavimentar com uma fina casca de asfalto uma rua sem esgoto encanado, beijar uma criança desnutrida e pousar com largo sorriso para os holofotes da televisão do que realmente tocar nas atávicas estruturas socioeconômicas da crueldade urbana.


Nas eleições paulistanas, a mesmice estéril continua a germinar a todo vapor na votação do novo “síndico”. Chegam-se ao absurdo dos candidatos brigarem pela paternidade da mesma promessa eleitoreira. E na esteira do teatro dos absurdos, entre tantas de suas demagogias, o prefeito Kassab apareceu em público e depois virou jingle de campanha, a “promessa” que jura aos quatro ventos que a passagem de ônibus não irá subir em 2009! Todavia, oculta da população o quanto irá disponibilizar dos generosos subsídios para alimentar as quadrilhas organizadas que tomou conta do sistema de transporte público da cidade.


A política mais uma vez se torna vítima da sede insaciável pelo poder a qualquer custo e dá vazão para a construção mercadológica quando as necessidades públicas são produtos para consumo individualizado, imediato e descartável. Resta então ao eleitor desatento, colocar o miojo eleitoral na urna com cara de freezer, marcar quarto anos e apertar o botão. E procurar então ficar esperando bem acomodado na cadeira...