Ensaio para a biópsia do capital e a sociedade de controle do (i)material
Para o dicionário Houaiss, a expressão “resignação” é traduzida entre outras possibilidades similares como sendo a “submissão à vontade de alguém ou ao destino” ou ainda, “aceitação sem revolta dos sofrimentos da existência”. Tudo parece ser inevitável quando abrimos os jornais da grande mídia pela manhã ou assistimos os noticiários televisivos. O mercado é a democracia liberal são os braços de um sistema quase absoluto e que tudo deve ser regido em sintonia com esta superestrutura simbólica e material. A aceitação passiva de um dado fenômeno é a amputação de qualquer possibilidade a ser realizada em um futuro próximo ou distante. Aceitamos a inevitabilidade quase divina que nossas vidas devem ser regidas por parâmetros os quais um punhado de indivíduos impõe subliminarmente ou não para todo um contingente social.
Quais os resgates abissais possíveis dentro de um universo de resignação? Dentro de uma esfera social onde se repercute ações individualistas sobre um coletivo, sejam passivas ou não, subentende-se a aceitação ou o descarte com maior ou menor grau de interação. Quando se opta pelos valores munidos pelo desejo de auto-satisfação à custa do outro, o que importa para este indivíduo é a satisfação plena e imediata do seu próprio self. É possível detectar implicitamente uma variante do “dilema do prisioneiro” em busca da maximização do prazer e minimização do desprazer: ou ajo agora e “lucro” neste momento, ou fico aguardando uma expectativa que possa vir a ser um desprazer posterior. O ato que permeia tal ação é o imediatismo que extrapola as considerações a respeito do outro a sua volta. Toda ação humana é movida pelas tentativas de maximizar seu desejo, seja ele qual for sua natureza, e ampliar as dimensões do seu objeto. Tal característica é intrínseca e constitui no rol de alicerces psicológicos de homens e mulheres, aflorados ou minimizadas dentro da estrutura social os quais são inseridos.
Uma das características mais sedutoras das estruturas psicológicas do capitalismo é o seu inigualável poder de projetar a sensação de erotização e liberdade sem limites do individuo. O “livre mercado” é a externalização e escancaramento do objeto pelo qual um grupelho de capitalistas se aglutina visceralmente nos ciclos dinâmicos da economia em benefício da maximização dos seus próprios lucros. O objeto aqui pode ser visto como sendo a capacidade praticamente ilimitada de se obter a multiplicidade ou a reprodutividade exponencial do seu patrimônio. Aliás, o mais importante deste sistema de reprodução insólito é o replicar dos lucros se movendo assimetricamente com a diminuição dos custos de operação ou transição. Nada é feito altruistamente para o coletivo, exceto o que for possível prolongar a exponenciabilidade do seu capital. Aqui a democracia liberal se torna um mito quase anedótico, uma vez que é não é o regime político que poderá frear a volúpia capitalista, e ao contrário do que geralmente se prega em tempos de liberdade burguesa, foram nas grandes ditaduras da história que muitos grupos econômicos alcançaram lucros exorbitantes apoiando regimes fascistas e colaborando para ceifar vidas e segregar nações. Mais uma vez, o objeto aqui são as condições materiais de reprodução do capital privado e não um locus vivendi em prol de uma estrutura que possa beneficiar a todos dentro de uma sociedade.
O esgarçamento dos elementos narcíseos é fundamental para a consolidação das estruturas do moinho que reinventa as condições de reprodutibilidade do capital. Neste sentido, a resignação é essencial para que em nenhum momento haja uma resistência, desconforto ou indignação por parte dos que estão do lado de fora destas estruturas e nada possa atrapalhar o “bem-estar” material de alguns contra a pauperização consentida dos demais indivíduos. A socialização material somente é consentida a contragosto nestes casos apenas como uma “válvula de escape” objetivando que as massas e seus descontentes não representem alternativas plausíveis que rompam drasticamente com o paradigma socioeconômico que está prevalecendo no momento. Aceitação plena e sacerdotal entre os atos de ser um assalariado ou “semidivinamente” vir a ser postulado como “patrão” são elementos vitais para reconstruir a cada momento de crise ou dificuldade dos ciclos econômicos a hegemonia do capital sobre qualquer levante dos resistentes. O que está em jogo de fato é a manutenção a todo vapor das regras estratificadas do status quo vigente e a luta de classes pode assumir diversos outros parâmetros, mas nunca deixada de lado ou desprezada sua validade.
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