Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), estima-se que existem cerca de 350 milhões de crianças entre cinco e dezessete anos economicamente ativa em todo o planeta, sendo que 60% com menos de quinze anos e 70% estão trabalhando no setor agrícola. Se considerar os que trabalham em tempo parcial, este número situa-se em 250 milhões (61% na Ásia, 32% da África e o restante, e o restante espalhados pela América Latina). Desse número, 73% estão empregados nas piores formas de trabalho infantil, ou seja, 170 milhões se ocupando em trabalho perigoso, 8 milhões de crianças são alocadas em formas degradantes e perversas: o trabalho forçado ou escravo (5,7 milhões), conflito armado (0,3 milhão), prostituição e pornografia (1,8 milhões), tráfico de drogas (1,2 milhões) e outras atividades ilícitas não-catalogadas (0,6 milhões) (Kassouf, 2004).
No Brasil, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2001 e reflete os anos 1990, catalogou aproximadamente 3,5 milhões de crianças de cinco a quinze anos que estão trabalhando, o que pode representar cerca de 10% do total das crianças e jovens nessa faixa etária (considerando os que estão procurando emprego). Entre os que possuem dezesseis e dezessete anos, são quase 2,4 milhões de trabalhadores ou 35% do total de jovens nessa faixa etária (Kassouf, 2004a). Portanto, no Brasil, o total de crianças e jovens entre cinco a dezessete anos que tem alguma ocupação é da ordem de 5,5 milhões, ou seja, 12,71% do total de crianças e jovens brasileiros estimados pelo PNAD em 2001.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase meio milhão de meninas brasileiras estão trabalhando em casas de terceiros, executando todos os tipos de serviços domésticos, com jornadas excessivas e com pouca ou nenhuma remuneração financeira e tampouco amparo das leis trabalhistas. São 494.002 trabalhadores domésticos entre cinco e dezessete anos, sendo que desse total, 222.865 estão abaixo dos dezesseis anos.
A incidência de trabalho infantil é maior nas regiões do Nordeste e Sul, com 13% e 10%, respectivamente, das crianças trabalhando. Se for focalizada a distribuição territorial dos trabalhadores-mirins, e ainda utilizando os dados do PNAD de 2001, em termos percentuais (relativos) os principais estados com o maior número de exploração do trabalho de crianças e jovens entre cinco e dezessete anos, em ordem decrescente, Maranhão (22,23%), Tocantins (18, 32%), Piauí (17,41%), Ceará (16,92%), Alagoas (17,07%), Bahia (16,36%) e Pernambuco (16,13%). Todavia, quando se observa os números absolutos de trabalhadores-mirins, o quadro de altera colocando São Paulo (747.885) em destaque, seguindo nas primeiras posições, Bahia (617.009), Minas Gerais (578.728), Maranhão (417.291), Ceará (368.934), Rio Grande do Sul (366.136) e Pernambuco (361.005). Vale enfatizar o caso de São Paulo que possui o status de maior estado do eixo econômico brasileiro é o campeão nacional de exploração do trabalho de crianças e jovens de cinco a dezessete anos em número absoluto e também no número absoluto de trabalhadoras domésticas na mesma faixa etária (quase 70 mil). Resultados contrários ao que muitos paulistas e demais brasileiros tendem a acreditar no mítico capitalismo do progresso material sem espoliação humana!
É importante ressaltar ainda as dimensões sociais das ocupações deste tipo de exploração de trabalho para entender as disparidades existentes nos números apresentados e as disparidades econômicas. O trabalho infanto-juvenil existe com maior freqüência nas regiões agrícolas e em atividades também agrícolas e em famílias que trabalham por conta própria, seja na agricultura, seja em atividades urbanas (destaca-se o pequeno comércio e os serviços). No Brasil, 53% das crianças entre cinco a quinze anos trabalham nas regiões agrícolas e estes percentuais se modificam na medida em que vão atingindo sua maturidade: 30% de ocupação no setor agrícola dos jovens entre dezesseis e dezessete anos e 17% entre dezoito a sessenta anos (Kassouf, 2004b). Segundo Schwartzman (2001), "tipicamente, o trabalho infantil começa no Brasil como uma atividade junto à família, no trabalho agrícola, que vai envolvendo um número crescente de crianças à medida que elas amadurecem". Apesar de a região Sul estar entre as regiões mais desenvolvidas do país, existe uma importante base de agricultura familiar nessa região, o que pode justificar as similaridades dos números da incidência do trabalho infantil das regiões Sul e Nordeste, ou seja, a região com maior gravidade de problemas econômicos do país.
Dessa maneira, não existem zonas de exclusão desse tipo de exploração do trabalho, todas as regiões contribuem sem ressalvas para a exploração do trabalho infantil. Em termos absolutos, o Nordeste possui o maior número de crianças trabalhando, cerca de 1,5 milhão, seguido pela região Sudeste, com 710 mil trabalhadores-mirins (Kassouf, 2004c). Em termos regionais, ele prepondera tanto nos estados mais pobres do país, como a Bahia e o Ceará, como nos estados do Sul, como Santa Catarina e Rio Grande, que têm uma tradição de agricultura familiar mais consolidada. Nas idades mais inferiores, prepondera o trabalho sem remuneração que, quando ocorre, aumenta com a idade: até os quatorze anos, mais da metade das crianças trabalha sem remuneração; aos dezessete, 68% já recebem pelo trabalho que desempenham. Existe uma tendência que resulta na medida em que a população brasileira deixa o campo, o trabalho infantil também é reduzido.
A exploração do trabalho infantil é reforçada quanto aos percentuais de remuneração (isto é, quando existem) auferida pelos trabalhadores-mirins: em média, apenas 35% das crianças recebem salário por seu trabalho, sendo que nas áreas urbanas este percentual é em torno de 58%, contra 13%, em média, nas áreas rurais. Quando recebe alguma remuneração, o trabalho das crianças entre cinco a quinze anos, no ramo agrícola corresponde entre
Existe ainda um mito na sociedade brasileira que não condena a exploração do trabalho infantil com a veemência e a atenção que o tema exige. Muitas vezes, é até visto com "bons olhos" o trabalho das crianças com as mais inverossímeis justificativas. Para os padrões brasileiros, uma criança fica na escola em torno de 8 anos no ensino fundamental e mais 3 anos no ensino médio, perfazendo 11 anos de ensino básico. Nas áreas rurais, o índice de analfabetismo até os quinze anos chega a 7,87% e o número médio de estudos é 4,29 (ou seja, o máximo atinge o final do fundamental I, a quarta série). No comércio o índice de analfabetismo é de 1,54% e, em média, com 6,24 anos de estudos e no setor da construção civil o índice de analfabetismo e anos de estudo são, respectivamente, 1,71% e 5,47. Ressaltam-se as disparidades regionais em termos de número de anos de estudo de crianças abaixo de quinze anos, no Sudeste é em torno de 6,70 contra 5,19 no Nordeste. Assim, em média, no Sudeste as crianças estudam cerca de 60% da carga básica de estudos enquanto que o percentual é de 47,2% no Nordeste (menos da metade mínimo necessário!).
Os números do trabalho infantil demonstram que os parcos esforços governamentais para eliminar suas práticas nocivas ao desenvolvimento da criança tem sido irrisórios e somente atenuam focos pontuais e por tempo delimitado. A tragédia econômica, social e psicológica para uma criança em estado de exploração trás naturalmente danos irreversíveis para sua vida. As conseqüências são trágicas e conhecidas: com menor escolaridade, menor será a sua renda futura. Sem nenhum grau de instrução ou com baixa escolaridade, quanto mais cedo a pessoa se tornar economicamente ativa, menor será a sua renda ao final de 30 anos de trabalho (sem considerar os impactos deletérios para sua saúde).
Entre outros fatores de natureza socioeconômica de desenvolvimento regional, libertar essas crianças das zonas de exploração do trabalho depende enfaticamente das melhorias gradativas das condições econômicas de suas famílias, além da inadiável fixação da criança em período integral na escola com subsídios mínimos de assistência econômico e social. A vital ampliação das verbas públicas voltadas para a educação e segurança social será plenamente justificada pela efetiva e acelerada política de erradicação das formas de exploração de crianças e jovens e a conseqüente mudança do padrão de vida de suas famílias.
A erradicação do trabalho infantil não deve ser apenas tema de análises conjunturais e estatísticas por parte do governo brasileiro. É pertinente uma mudança cultural por parte de todos os estamentos sociais se posicionando contrário a todas as formas manifestadas de exploração de crianças em nome de alguma atividade econômica. A sociedade brasileira deve se indignar com veemência, cobrar das autoridades responsáveis efetivas ações e não compactuar com os mitos degenerativos da vida de uma criança explorada e, em muitos casos, confinada pelo seu explorador em uma situação de total desprezo pela vida humana. É fundamental ressaltar que sem uma atuante política governamental que diminua sensivelmente as trágicas e seculares disparidades sociais brasileiras a tendência será certamente a perpetuação da barbárie sob a forma de exploração do trabalho infanto-juvenil.
Referências bibliográficas:
KASSOUF, Ana Lúcia (coord.). O Brasil e o trabalho infantil no início do século 21. Brasília: OIT, 2004a.
KASSOUF, Ana Lúcia (coord.). Trabalho infantil no ramo agrícola brasileiro. Brasília: OIT, 2004b.
KASSOUF, Ana Lúcia (coord.). Perfil do trabalho infantil no Brasil, por regiões e ramos de atividade. Brasília: OIT, 2004c.
SCHWATZMAN, Simon. Trabalho infantil no Brasil. Brasília: OIT, 2001.
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