sábado, 17 de novembro de 2007

Trabalho infantil, ontem e hoje: o capitalismo sem limites (Primeira Parte)

A base de sustentação do sistema capitalista é a exploração do trabalho. Desde seu advento, nos primórdios da Revolução Industrial inglesa em fins do século XVIII, o trabalho de camponeses expulsos do campo para as cidades era a força motriz do sistema fabril. Nada era recusado ou era batizado por algum princípio ético de dignidade humana: homens, mulheres e crianças eram as forças constituintes do modo de produção. O trabalho infantil sempre foi visto com olhares de cinismo e discurso barato. Em todas as grandes potências que hoje se rotulam de "Primeiro Mundo", têm em comum na sua base constituinte de produção material o trabalho infantil em regime de escravidão ou semi-escravidão (ou seja, ganham tão somente para se alimentarem).


Não nos iludimos com os princípios da ética capitalista. A moral desse modo de produção não é a primazia da ética, mas a busca incessante do lucro a qualquer custo. Não surpreende que a China, com seu regime comunista engendra um motor avassalador de um capitalismo que mescla primitivismo técnico e alta tecnologia, fazendo uso maciço do trabalho infantil. A base do capitalismo chinês nas disputas mercantis pelos mercados globais está no uso intensivo de mão-de-obra barata que beira a escravidão ou servidão por dívidas.

Nenhuma potência do G-8 (grupo dos sete países mais ricos do planeta mais a Rússia) tem autoridade moral para questionar a exploração da mão-de-obra de crianças, sejam elas chinesas, brasileiras ou paquistanesas. Em cada momento do seu tempo, as bases fabris desses países usaram largamente o trabalho de suas crianças para a acumulação e ampliação de suas bases capitalistas. O dinheiro pode apagar da lembrança de alguns homens tais degradantes episódios, porém a história sempre tratará de resgatá-los com hombridade.

O mero “denuncismo” pouco adianta num mundo onde a usura incontrolável por mercados e lucros são a tônica do processo. Por exemplo, alguns setores da mídia denunciam o uso do trabalho infantil chinês na confecção de mercadorias para serem vendidos como souvenires para as Olimpíadas de Pequim no próximo ano. A denúncia não é um fato atípico como muitos pensam, porém é simplesmente a regra. Tendo em vista a cortina-de-ferro promovido pelo esquizofrênico Estado chinês, os números da exploração do trabalho infantil podem ser incalculáveis, principalmente nas áreas mais afastadas dos grandes pólos industriais de tecnologia, onde as técnicas são mais rudimentares de produção, como são os casos da confecção de brindes, vestuários, calçados, alguns brinquedos entre outras mercadorias de baixo valor agregado.


No caso do caso do capitalismo tardio brasileiro, a situação não difere dos demais países da vanguarda capitalista. O IBGE estimou em 2003, cerca de 5 milhões de crianças e jovens na idade entre 5 a 17 anos que possuem alguma atividade remunerada, em detrimento da lei que proíbe trabalho para menores de 16 anos. O universo de trabalhador-mirins pode ser muito maior que os números possam registrar uma vez que não é possível coletar dados satisfatoriamente das inúmeras fazendas e pequenas oficinas de trabalho escravo escondidos e espalhados pelas diversas regiões do país.


Não é possível combater sistematicamente o trabalho infantil apenas com bom-mocismo e uma cesta de políticas pífias como as tais “bolsas-auxílio-alguma-coisa” (ou melhor, bolsa de perpetuação da miséria!) e fiscalização frouxa (aliás, quando existe alguma fiscalização com um número de fiscais irrisórios para o quadro nacional!). No caso do Brasil, os números governamentais podem ter algum declive, mas jamais teremos uma erradicação completa do trabalho infantil. Na prática, em nenhum lugar do mundo onde existe superexploração do trabalho infantil terá mudança substancial sem abalar estruturalmente o sistema capitalista que o alimenta e reproduz repetitivamente de forma quase perpétuo.


A ótica do sistema capitalista de exploração do trabalho como vias pavimentadas para o lucro, jamais libertará de bom-agrado estas milhares de crianças e jovens indefesas, sem destino e renda. Associada a uma perversa distribuição de renda que destrói famílias inteiras e se vendo na obrigação compulsória de sustentá-las de forma quixotesca. Este contingente de trabalhador-mirins se submetem à mercado para vender a única coisa quer restam entre seus dedos: sua força de trabalho e selar seu destino nas inúmeras pocilgas que não-raro, está associada à uma grande empresa "eticamente" cumpridora de seus obrigações fiscais perante o Estado. Um exemplo bastante conhecido é a arrogante loja da elite paulistana, a Daslu, que comprava contrabando de mercadorias pirateadas a baixo custo com mão-de-obra de exploração chinesa e vendia com preços exorbitantes como se fossem bugigangas européias, sem passar pelo fisco e não pagar nenhum imposto. Será mera inocência de algum desavisado gerente de importação da aburguesada loja? Na dinâmica capitalista, a exploração é a norma e não a exceção.


Do ponto de vista histórico, não existiu construção capitalista nas sociedades mais desenvolvidas do ponto de vista de acumulação de bens, sem o uso maciço de mão-de-obra com precárias condições de trabalho (semi-escravidão), incluindo o largo uso do trabalho de mulheres e crianças em sua máquina de moer gente e produzir dinheiro. Aliás, é justamente desta exploração que geraram dividendos para a acumulação primitiva possibilitar novos saltos rumo à novos estágios de produção.

Também não existem produção e distribuição capitalista sem o papel do "atravessador", ou seja, o intermediário entre a produção e o consumo final. Atrás de uma criança escravizada pelo trabalho há sempre uma grande loja, empresa ou indústria de comportamento "ético e legal" que vampirizam o trabalho dessas crianças.

O trabalho infantil das crianças brasileiras e chinesas é um bom exemplo de uma verdadeira vergonha da humanidade, entre tantas outras misérias em nome da disputa incomensurável pelos lucros, que produz uma acumulação de bens e capital com o suor, lágrimas e dedos estourados desse enorme continente populacional de escravos-mirins.

A volúpia e a desfaçatez dos homens e mulheres que detém as rédeas do monstruoso modo de superexploração capitalista, beira ao completo canibalismo primitivo em nome da panspermia do dinheiro a qualquer custo.


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